A vocação de Adão e Eva

20/12/2019 Frei Paulo Antonio Alves, NDS
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“ECOLOGIA INTERIOR: Por um minuto, esquece a poluição, a química que contamina a terra, e medita: como anda o teu equilíbrio ecobiológico? Examina a mente. Está despoluída de ambições desmedidas, preguiça intelectual e intenções inconfessáveis? Teu humor intoxica-se de raiva e arrogância? Onde as flores do bem- querer, os pássaros pousados no olhar, as águas cristalinas das palavras? Graças ao Espírito que molda e anima o ser, o copo partido se reconstitui, inteiro, se fores capaz de amar. Primeiro, a ti mesmo, impedindo que tua subjetividade se afogue nas marés negativas. Depois, aos semelhantes, exercendo a tolerância e o perdão, sem sacrificar o respeito e a justiça. Pratica a difícil arte do silêncio. Desliga-te das preocupações inúteis. Recolhe-te ao mais íntimo de ti mesmo e descobre, lá no fundo, o Ser Vivo que funda a tua identidade. Acolhe tua vida como é: dádiva involuntária. Trata a todos como igual, ainda que estejam revestidos ilusoriamente de nobreza ou se mostrem como seres carcomidos pela miséria. Faze da justiça o teu modo de ser e jamais te envergonhes da pobreza, da falta de conhecimentos ou poder. Tua riqueza e teu poder residem em tua moral e dignidade, que não têm preço e trazem apreço. Porém, arma-te de indignação e esperança. Luta para que todos os caminhos sejam aplainados, até que a espécie humana se descubra como uma só família, na qual todos, malgrado as diferenças, tenham iguais direitos e oportunidades. Ainda que cercado de adversidades, se preservares tua ecobiologia interior, serás feliz, porque trarás em teu coração tesouros indevassáveis” (Frei Betto, O Dia 30 de maio, 2004).

A Escritura diz que Deus criou Adão e Eva à sua imagem e semelhança (Gn 1,27). Essa informação já nos mostra que o homem e a mulher da não existência passaram a existir. Adão e Eva são do nada chamados para serem responsáveis pela Criação.
E a mesma Escritura ou Torá nos ensina que ao chamado de Adão e Eva se ligam outros elementos. Ambos participam da imagem e semelhanças divinas (Gn 1,26), ou seja, do Ser do Criador e de sua semelhança: do Ser e do agir de Deus Criador, como ensinou santo Irineu. Existe um elemento de Ser que é perene e um elemento de Agir que se modifica. Quando se fez ou se faz Filosofia é impossível não fazer memória do Ser imutável de Parmênides e do devir de Heráclito e do seu rio no qual ele não podia tomar o mesmo banho.
Além desses dois elementos, logo no versículo subsequente, a Escritura ou Torá ou Ensinamento Divino ensina que Deus abençoou o homem e a mulher, dizendo para ele e ela serem fecundos, para crescerem e se multiplicarem. Ou seja: o chamado divino é uma bênção que torna o homem e a mulher também multiplicadores, co-criadores, cujo chamado é para transformar a realidade, criando, crescendo, multiplicando.
A bênção em hebraico se diz: Berakhá e em sua raiz podemos encontrar dois significados: 1) poço e 2) joelho. O poço é um buraco cavado na terra e que contém água. Água é um dos elementos fundamentais para que se tenha vida. Se no fundo do poço tem água, fora dele tem o sol. E quando se tem sol e água, temos vida que se multiplica. Ao olhar para a água que sai do poço, que vem de baixo e ao alçar o olhar para o céu e contemplar o sol, o ser humano: homem e mulher, sentem um desejo de dobrar o joelho, ou seja, reconhecem Algo que os ultrapassa e, ao mesmo tempo, se-lhes-revela como Aquele que fornece a água e a luz sem dizer, dois elementos fundamentais para a vida humana.
Desses elementos fornecidos pela Escritura, vemos que a vocação humana do homem e da mulher estão embebidos de elementos simbólicos: o ser humano é chamado para ser abençoado e ao se abençoado torna-se água e luz para o próximo, para a próxima. O que significa ser poço e ser sol?
A mesmo Torá nos ensina que o primeiro homem recebeu o nome de Adão e que ele foi formado da terra fecunda do Paraíso. E o interessante é que terra em hebraico se diz: Adamá e Adam vem da Adamá; e mais interessante ainda é justamente que nas palavras Adamá e Adam, temos a palavra: Dam, cujo significado é: sangue. Ora se Adamá e Adam trazem em sua raiz a palavra Dam, isso significa dizer que no chamado de Adão e de Eva, que é gerada da costela adâmica (Gn 2,22), existe uma dimensão no chamado para “se dar o sangue”. Ser chamado por Deus significa dar a sangue pela vida, pela natureza. Eis o que nos diz a Escritura: “O Senhor Deus tomou o homem e o colocou no jardim do Éden, para que o guardasse e o cultivasse” (Gn 2,15). E aqui a Torá nos ensina mais alguns elementos ligados à vocação humana: o guardar e cultivar. O homem e a mulher desde o início são chamados a cuidar, cultivar e cultuar. A palavra cultivar é um verbo e vem do verbo latino: colere, que possui dois significados: cultivar e cultuar; e em hebraico, temos o verbo: La’avod, do qual deriva a palavra: ‘avodá, cujo significa é duplo: trabalho e liturgia ou culto celebrativo. Desse modo, o cultivar está ligado à dimensão horizontal, ou seja, ao cultivo da terra e, por outro lado, está ligado à dimensão vertical da adoração, do culto a Deus, da ação litúrgica. A partir dessa dimensão de cruz: vertical e horizontal, podemos dizer que, além da cultivo, do culto, temos também a dimensão de produzir cultura. Nesse sentido, o homem e a mulher são chamados para cuidar da terra soprada (Gn 2,7) a vida humana e da terra, origem do ser humano, a natureza, a exercício da Ecologia. A vocação humana está ligado a um trabalho de cultivar, e cultivar é cuidar, e cuidar é adorar. E quando se cuida da terra, produzindo, se tem comida e quando se tem comida, tem-se alegria e quando se tem alegria, tem-se a festa; ao mesmo tempo, com comida ou na busca da comida, no pedir a chuva, no pedir ajuda, tem-se liturgia, tem-se a volta pro Criador. Para se cuidar da terra, da Terra e da terra sopra é necessário estar em oração.
A Escritura nos apresenta o chamado de Adão e Eva a serem cuidadores do ser humano e da natureza como trabalhares (as)/pastores (as), como adores (as)/sacerdotes-sacerdotisas, guardiões (ãs) da fé e professores (as)-, mestres (as), rabis (rabinas) que cultivam o ensino, ensinando sobre Deus e sobre a Terra: as coisas espirituais e materiais.

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